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Doutas Besteiras

Loucura

  • Foto do escritor: Matheus Leão
    Matheus Leão
  • 28 de fev. de 2020
  • 3 min de leitura

Atualizado: 20 de set. de 2020

Hoje presenciei uma cena que como psicólogo me faz querer pontuar algumas coisas importantes.

Como quem me conhece sabe, sempre fui um defensor da loucura, loucura tal como ato de permitir-se ser excêntrico e descolar-se do apego ao papel social que nos é imposto.

Pois bem, essa é a loucura na qual eu acredito. Porém grande parcela da sociedade considera loucura algo pejorativo (loucura como ato de insanidade e desajuste social).


Estava eu na rodoviária hoje quando uma mulher de idade com roupas gastas, com pastas e sacolas em mãos começa a ter uma discussão acalorada com a pasta que porta.

E a discussão se intensifica a ponto dela colocar a pasta no chão e começar a gritar com a mesma. Poucos minutos depois o desentendimento parece ter sido esclarecido, pois a senhora gentilmente cala-se, põe a pasta no colo e volta a trilhar seu caminho.


Continuo observando o ambiente e percebo as expressões indignadas de várias pessoas ao redor. Um jovem passa ao lado da senhora e fala "Imagina se você é louca eim?" Em tom de deboche. Outra moça que passa por perto começa a sacudir a cabeça em tom que aparentemente representa represália a cena de delírio recém exibida.

Contextualizados da situação faço as indagações que minha profissão permite e reivindique que eu faça.

Um primeiro questionamento que faço perante a situação da moça é justamente um olhar social.


E para isso gostaria de inserir uma segunda informação:


Trabalho com saúde mental e pacientes psiquiátricos há alguns anos, e cada vez mais percebo a incompreensão social referente aos transtornos mentais que aflingem as pessoas. Não é raro ver alguém alegando que depressão é falta do que fazer ou afirmando que crises de pânico são frescuras.


Como psicólogo, trabalho em prol da divulgação do conhecimento da força e influência que a psique têm sobre a vida de cada indivíduo.


Quanto mais as ciências da saúde evoluem mais se destaca a importância da saúde mental sobre a qualidade de vida.


A mente humana possui uma força poderosa sobre cada ato e ação da vida que todos realizam no dia a dia. Tem o poder de permitir que alguém supere grandes obstáculos e alcance grandes realizações, tal como tem o mesmo poder de gerar efeitos nocivos, criando sofrimento e dor.


Quando os traumas vividos resultam em sintomas sofredores, tal como pensamentos negativos obsessivos, alterações descontrolas de humor, delírios, alucinações, crises de pânico, dentre tantas outras, a pessoa está sofrendo por um transtorno mental que muitas vezes precisam de auxílio profissional para ser elaborado e cuidado.


Frente a está segunda sequencia de informações, eu retomo aos questionamentos advindos do episódio na rodoviária:


Muitas pessoas demonstraram aparente desgosto e desconforto com a presença da mulher possivelmente delirante. Alguns até a julgaram questionando-a sobre sua sanidade e outros exibiram evidente desejo de afastar-se dela.


Quantas pessoas ao invés de julgar aquela mulher perguntaram-se se ela estava bem ou precisava de ajuda?


Quantas pessoas entenderam que aquele episódio foi um reflexo de uma vida que possivelmente se vê traumatizada e com dores?


Quantas pessoas se questionaram se podiam ajudar aquela mulher?


Quantas pessoas não julgaram aquela mulher e se permitiram olhar pra ela da mesma forma que olham a qualquer outro?

......


Uma segunda indagação é mais individual, e quem se encontra num processo analítico entendera muito bem.


Me questiono como as pessoas interpretam a loucura, aparentemente (quase certamente) não é a mesma interpretação que eu faço (tal como dito no início do texto). Aparenta-me mais que a loucura é lida como um ato de chacota ou vergonha à população.


Em muitos textos pontuo o quanto somos bombardeados por informações e estereótipos desde o momento em que nascemos. Quanto mais crescemos mais absorvemos definições sociais que muitas vezes se mostram até inconscientes.


Depois de tantas informações absorvidas tendemos a olhar o mundo sobre um prisma definido, não conseguindo mais enxergar opções diferentes para a nossa vida.


Justamente aí, quando estamos engessados e padronizados, entra a loucura, que contrapõe toda nossa forma de pensar. Como se os loucos fossem tão loucos que somos incapazes de entende-los.


E se a loucura for justamente a via que permite lidarmos com nossas angústias de forma autônoma e saudável.....


Quantas vezes gostaríamos de gritar no meio da cidade, ou sair correndo feito um louco pela rua?


Quantas vezes sentimo-nos aprisionados pela nossa cultura?


Quantas vezes nós desejamos expurgar aqueles que possuem a ousadia ou a loucura de se expor em público?

Quantas vezes não desejamos apenas expressar nossa raiva pela nossa pasta, e não o fazemos por ser julgados por isso?


Quantas vezes deixamos o repúdio pela loucura, que constitui nossa cultura, e por tabela nos atravessa, aprisionar nossos desejos e nossa espontaneidade?

.....


A loucura é o fio que tece a sanidade.

Matheus Leão

Psicólogo

CRP 06/132811

(11)97300-3463

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